Um herói fora da TV Xuxa...
No meu tempo de criança (nem faz tanto tempo assim...) Superman, Capitão América, Rambo e companhia ilimitada eram fantasias infantis. Eu e meus irmãos adorávamos assistir a seus filmes e desenhos. Mas as coisas mudaram. Os heróis estadunidenses invadiram outro horário, para um público um pouquinho mais velho.

Em tempos de jogos olímpicos – como aconteceu na copa de 1970 – a mídia não perde a oportunidade de engrandecer a imagem de um país. A diferença é uma só: dessa vez, a nação ovacionada não é o Brasil.

Aquaman que se cuide! O novo senhor das águas, o novo delírio do país chama-se Michael Phelps, o todo poderoso das piscinas!

Restam algumas dúvidas: quantas vitórias espetaculares aconteceram em Pequim? Quantos recordes foram quebrados, em quantas modalidades? Provavelmente, algum queniano realizou façanhas incríveis nas várias provas de corrida, como acontece sempre, quase tradicionalmente.

Mas apenas o novo super-homem, estadunidense (e não africano), foi digno do pronunciamento emocionado de Galvão Bueno. O veterano narrador elogiou até o corpo escultural do atleta. Explorou vitória por vitória, dando a Phelps todos os créditos, inclusive na prova de revezamento. Durante uma das disputas, a tensão maior era causada pela possibilidade do herói receber uma prata...

Vitória espetacular, por um centésimo de segundo...

E assim, o nadador consagrava-se, merecendo ser citado, homenageado, idolatrado em qualquer obra sobre olimpíadas, dizia Galvão, acrescentando que, de todos os jogos que cobrira, levaria as histórias da jovem carreira de Phelps como acontecimentos dos mais marcantes que presenciou.

Mais tarde, ao falar do prestígio de uma das maiores divas da música americana, Dionne Warwick, o dominical Fausto Silva não perdeu a oportunidade de comparar os recordes de sucesso da cantora às maravilhas realizadas pelo esportista.

Para completar, num outro canal, Carlos Nascimento falava sobre o que o atleta comia em cada refeição.

Enquanto isso, alguma notícia sobre o governo no Jornal Nacional? E no Jornal da Band, se falava da fome de milhões comparada às três panquecas do café da manhã de Phelps? Como anda a economia do país, alguém ouviu falar? Além do patriotismo temporário, típico da febre pelos grandes eventos do esporte, a construção da imagem de um novo herói apagou qualquer preocupação com a situação do Brasil.

E a tal “função social” dos jornalistas?

Não culpo nem tiro os méritos dos esportistas todos. Que briguem por suas medalhas, que nos divirtam por aqui...

O que me preocupa é ver a televisão brasileira buscar, num “personagem real”, a construção da imagem superior, vitoriosa dos Estados Unidos, enquanto ele segue governando o planeta como quiser e bem entender.

O que me preocupa é ver Pequim no centro das atenções, enquanto o pobre ali em frente anda esquecido, mais do que sempre.

O que me preocupa é falar e sentir minha pergunta ecoar no vazio de preocupações dos brasileiros e, principalmente, dos “profissionais da informação”. Pergunta que repito, incansavelmente:

Onde foi parar a tal “função social” dos jornalistas?



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