Homenagem ao cara do orelhão
Todo mundo já ouviu falar do problema da falta de afetividade. Inúmeras vozes já se levantaram em “apelos eloqüentes à bondade do homem”, em palavras de Chaplin.
O mais interessante é perceber como as pessoas entram em contradição diante dessas filosofias. Vejamos: uma platéia enorme assiste a uma palestra em que o orador discursa belissimamente sobre a necessidade de carinho nas relações humanas. Há a certeza de que arrancará aplausos e até mesmo lágrimas da multidão emocionada... Mas há a certeza de que, ao deixar o auditório, essa mesma multidão voltará à indiferença que sempre preencheu os seus dias. Ou será que algum deles ousará abreçar um desconhecido? Alguém terá a coragem de dizer uma palavra de afeto a outro que passa na rua?
Chego a essa conclusões sinceramente envergonhado com o que me fez pensar nisto tudo. Eu também sempre fui um desses oradores, eternamente falando da necessidade de amor entre as pessoas. Porém, passeando pela rua outro dia, vi-me numa situação inusitada, que me fez refletir bastante: caminhava distraído, pensando em alguns problemas a resolver, quando passei por um orelhão, um telefone público.
De repente, um homem, que usava o aparelho, saiu e me cumprimentou afoitamente:
- Bom dia! Como vai? Tudo bem?
Confesso que levei um susto. Respondi educadamente, mas achando estranho o fato: uma pessoa que nunca vi falou comigo subitamente, com o se precisasse da palavra de outro indivíduo, com urgência. E, apesar de pregar tanto a “afetividade”, concluí logo que aquele homem deveria devia ser um doido...
Arrependi-me imediatamente e parei pra refletir sobre este meu pensamento.
Onde foi que esconderam o cuidado e o afeto? Por que chamamos louco alguém que se preocupa conosco?
E penso que, nesse mundo, em que vale a troca de favores, rejeitamos o carinho do outro para não ter que cuidar dele também. Temos o medo de que cobrem de nós o amor que nos deram e que deixamos que se perdesse. Negociamos a bondade. E ainda julgamos insano o que é bom sem desejar nada em troca.
Onde deveria existir amor, crianças crescem desenvolvendo instinto, aprendendo que não se pode confiar em ninguém. Onde deveria haver a cultura do abraço, predominam a violência e o ódio.
O calor dos corações é trocado pela frieza dos canos das armas...
É preciso vencer o medo, quebrar as nossas grades. Passear na rua esquecendo o chão para olhar o outro. Abrir um sorriso, desejar paz, espalhar felicidade, abraçar forte, cuidar... Aproximar corpos e corações...
Assim, a gente alcança esse amor de que tanto falam por aí... Pode parecer utopia... e não o nego. Digo, apenas, que os desejos deixam de ser utopia no dia em que permitimos que se tornem realidade, através de atitudes como a do cara do orelhão.
Eles não são doidos. Nós é que somos insensíveis...
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