Caracóis Zapatistas

“Segundo nossos ancestrais, é necessário sustentar o céu para que ele não caia. Ou seja, não é que o céu não esteja firme, mas sim, que, de vez em quando, fica fraco e quase desmaia e se deixa cair como as folhas caem das árvores, e então acontecem verdadeiras calamidades, porque o mal chega ao milharal, a chuva o quebra todo, o sol castiga o solo, quem manda é a guerra, quem vence é a mentira, quem caminha é a morte e quem pensa é a dor.

Disseram nossos ancestrais que isso acontece porque os deuses que fizeram o mundo, os primeiros, se empenharam tanto em fazer o mundo que, depois de terminá-lo, não tinham muita força para fazerem o céu, ou seja, o telhado de nossa casa, e o colocaram assim, do jeito que deu, e então o céu foi colocado sobre a terra como um desses telhados de plástico. Ou seja, o céu não está bem firme, mas, às vezes, parece que afrouxa.. E é necessário saber que, quando isso acontece, se desorganizam os ventos e as águas, o fogo se inquieta e a terra quer se levantar e caminhar sem sossego.

Por isso, os que chegaram antes de nós disseram que, pintados de cores diferentes, quatro deuses voltaram ao mundo e, tornando-se gigantes, colocaram-se nos quatro cantos do mundo para prendê-lo ao céu para que o céu não caísse, ficasse quieto e bem plano, para que o Sol, a Lua, as estrelas e os sonhos caminhassem por ele sem sofrimento.

Mas aqueles que deram os primeiros passos por essas terras contam também que, às vezes, um ou mais dos pilares, os sustentadores do céu, começasse a sonhar, dormir ou se distrair com uma nuvem. Então, o seu lado do telhado do mundo, ou seja, o céu, não fica bem esticado, afrouxado, quisesse cair sobre a terra. Já não fica plano o caminho do Sol, da Lua e das estrelas.
É isso que aconteceu desde o início. Por isso, os primeiros deuses, os que deram origem ao mundo, deram uma tarefa a um de seus sustentadores para ficar de prontidão, para ler o céu, ver quando começa a afrouxar. Então, esse sustendador deve falar aos demais sustentadores para que acordem, voltem a esticar o seu lado e as coisas se acomodem outra vez.

Esse sustentador nunca dorme. Deve sempre estar em alerta e de prontidão para acordar os demais, quando o mal cai sobre a terra. Os mais antigos no passo e na palavra dizem que esse sustentador do céu leva um caracol pendurado no peito e com ele ouve os ruídos e os silêncios do mundo, para ver se está tudo certo, e pelo caracol, chama os outros sustentadores para que não durmam ou para que acordem.

E dizem aqueles que foram os primeiros que, para não adormecer, esse sustentador do céu vai e vem para dentro e para fora do seu coração, pelos caminhos que leva no peito. Dizem aqueles mestres mais antigos que esse sustentador ensinou aos homens e às mulheres a palavra e a sua escrita, porque dizem que, enquanto a palavra caminha pelo mundo, é possível que o mal se aquiete e no mundo tudo esteja certo. Assim dizem.

Por isso, a palavra do que não dorme, do que está de plantão contra o mal e suas maldades não caminha direto de um lado para o outro, mas sim anda rumo a si mesma, seguindo as linhas do coração, e para fora, seguindo as linhas da razão. E dizem os sábios de antes que o coração dos homens e das mulheres tem a forma de um caracol e aqueles que têm bom coração e pensamento andam de um lado para outro, acordando os deuses e os homens para que fiquem de plantão para que esteja tudo certo no mundo. Por isso, quem vela quando os demais dormem usa o seu caracol, e o usa para muitas coisas, mas, sobretudo, para não esquecer.”


Subcomandante Marcos, EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), em Julho de 2003
Vestígios



Pra quem não vê o sol
E passa as horas a contar história de um tempo que não vai ficar
A dança das ondas sob a luz do luar
Se desfaz com o vento voltando pro mar
Tentando encontrar vestígios
De algo que ficou pra trás e que insiste em me acordar

É impossível não querer ver nascer o sol
Olhar pra frente e ver,
Achar o meu lugar, achar o meu lugar.
Quero te encontrar em cada olhar pra ver passado e futuro,
Nesse instante a se fundir
Pra me levar bem longe daqui...

Cruzando desertos e mares então eu percebi
Que do meu destino eu não posso fugir
Tentando encontrar vestígios,
E aquilo que ficou pra trás já não insiste em me acordar...

É impossível não querer ver nascer o sol
Olhar pra frente e ver que aqui é meu lugar...
Estou no meu lugar...
Você é meu lugar...

Kaike Lamoso
As suas amigas têm pinto?

Outro dia ri de uma situação, digamos, bem interessante... Um garoto levemente bêbado estava chegando em casa, voltando do aniversário de um amigo, mais cedo do que o normal. Reclamava incansavelmente do fato de a sua atual "ficante" tê-lo trocado pelas amigas.

Creio que, do jeito que as coisas andam, qualquer outro rapaz poderia ter julgado a escolha da garota algo absolutamente normal. Não que isso não fosse ofender o seu ego, mas provavelmente, ele tomaria mais uma cerveja e partiria em busca de outros lábios.

Mas aquele era um caso especial, devo admitir. A tal garota já havia ficado com ele em uma ocasião anterior, duas semanas antes. E tinha adorado... isso estava claríssimo. E segundo as amigas dela, ela também tinha gostado muito (vale dizer que isso só enalteceu a "auto estima" do cara...). Ela morava em outra cidade, mas ligava pra ele sempre... Naquela festa, ela estaria. Ele contava os dias. Ela estaria lá, para ficar com ele outra vez, e, com toda certeza, aquele seria o grande dia: o dia do sexo!!! O dia em que ele traria a menina para o seu quarto e a deixaria louquinha... O dia qm que faria sua musa se apaixonar...

O problema é que, contrariando todas as expectativas do rapaz, a coisa não foi bem assim. Ela preferiu ficar com as amigas. E ele, supostamente com toda a razão, não parava um segundo de reclamar. Era estressante ter que aguentar os desabafos frutos de um ego ferido. Mas uma parte da conversa foi muito divertida... ele, levemente bêbado, repito, resmungava com um ser imaginário, como se a tal garota estivesse ali, frente a frente:

"As suas amigas te pegam de jeito? Não. Eu pego. As suas amigas te dão beijo bom, na boca? Não. Pois eu dou. As suas amigas têm pinto? Não?! Pois eu tenho! Agora vai lá, ficar com suas amigas!!!"

Bom... nada nos resta a não ser tentar parar de rir fazer uma análise do caso: a garota ficou com ele uma vez, gostou disso a ponto de permitir que suas amigas contassem isso para ele (pressupondo que as tais colegas são amigas de verdade, elas não iam sair falando disso sem autorização e objetivo). Além disso, usou o aniversário de um parente como pretexto para sair da sua cidade e ficar com ele de novo... Será que tudo o que ela queria era um pinto? Ou será que ela foi procurar nas amigas o companheirismo e os ouvidos atentos que não encontrou no desespero por sexo que tomava conta do cara?

Os desabafos bêbados do meu colega me fizeram lembrar de uma frase que escutei uma vez, e com que nunca me conformei: "se um garoto se aproxima de uma garota, ou é para levar ela pra cama, ou é pra ser o cabeleireiro dela".

Se as coisas estão realmente assim, a que ponto chegamos? Que nível de relação estabelecemos com as outras pessoas? Sexo é bom, disso ninguém discorda, mas será que as coisas não têm limites, os outros são apenas bonequinhos infláveis? O egoísmo e a busca incansável por prazer superaram a construção de qualquer sentimento por outra pessoa? Não existe mais amizade? Não existe mais amor?

O que queremos das outras pessoas? O que queremos que elas queiram de nós?

Um pinto?

07/09/2008
Nostálgica Poesia sem título - 2
Sei lá o que se passa na cabeça...
Sei que estou um pouco mais feliz...
Não me entendo:
Viajo na mesma nostalgia das lágrimas daquele dia
Mas dessa vez abro um sorriso.

Olho em volta e estou cercado por desconhecidos,
Mas me sinto bem em estar aqui.
Aqui é o meu lugar.
Se estou aqui é por que deveria:
As coisas não são por acaso.
E estou feliz por saber que...
Em algum lugar aí... pelo mundo...
Alguém me ama.
E estou feliz por poder amar alguém...
Alguém que está em algum lugar aí... pelo mundo.
E estou feliz por poder resolver amar a qualquer um
Qualquer um desses desconhecidos em volta
Ou todos eles...
Qualquer um que se abra...
Basta que eu abra o meu peito para as coisas novas.
Basta que eu resolva amar
Basta que eu me descubra
Que descubra o meu caminho...
E decida caminhar...

04/09/2008

Diário de 6 de setembro
Só um detalhe... não atente para a provável falta de atualidade dos fatos. Se você olhar a data em que a crônica foi escrita, vai ver que ela é do ano passado... o que não a torna menos próxima temporariamente...



Hoje, indo para casa, algo me chamou atenção: crianças voltando da escola, sozinhas ou com seus pais, todas em tons de Brasil: o rosto pintado em verde e amarelo, bandeirinha na mão, fitinha no peito... manifestações diversas, mas sempre o verde e amarelo...

Ah! Tá explicado. Amanhã é sete de setembro! E como é feriado, não haverá aula e hoje é dia de iludir as criancinhas. Até imagino o discurso da professora:
"Amanhã é um dia muito importante. Há 185 anos, o forte, bom e corajoso Dom Pedro, no seu belo cavalo foi às margens do Ipiranga, desembainhou sua espada, ergueu-a bravamente e gritou 'Independência ou Morte!!!', tirando o Brasil do domínio de Portugal e nos encaminhando para a Liberdade!"

Ao ouvir esse discurso, apelo para uma velha frase da minha avó: "esse veneno é bom..." Essa mentira é doce... E chego à conclusão que amanhã verei crianças, jovens, adultos, todos diante da sua TV, mão no peito, contando o hino nacional e acompanhando uma cerimônia qualquer que esteja acontecendo em Brasília.

Eu me revoltarei. Não há mentira maior no país que o nosso hino nacional. Pôr a mão no peito para cantá-lo? Isso me revolta...

Será impossível pensar em malas, cuecas, CPI's, olhara para uma bandeira em que está escrito "Ordem e Progresso" e não ficar chocado com a contradição que há nessas coisas.

Amanhã vestirei luto. Me cansarei desse patriotismo falso de olimpíadas e copas do mundo.
E sei que, quando estiver nas ruas, gritando um grito de excluídos, alguém irá perguntar o por que do meu preto, em vez de um verde e amarelo, como todo mundo.

E responderei que é pelo mesmo motivo que todo mundo: amo meu país... e não quero vê-lo na morte da exclusão, da pobreza e da mentira.

Enquanto os falsos patriotas estiverem por aí, eu me resumirei em revolta.

06/09/2007


Veja também:
  • A crônica "Independência ou Liberalidade!!!" e a palhaçada do feriado, no Audácia Crítica
Aos amigos bêbados...


Bêbados são interessantes.

Descobri que chega a ser um exercício filosófico o ato de parar e admirar bêbados. Dá pra aprender muita coisa com eles.

Bêbados são sinceros. "O que a sobriedade esconde, a embriaguez revela", já dizia um professoar que tive. E o que a sobriedade esconde é o calor humano, o abraço, o carinho, tão escondidos pela frieza dos últimos tempos. Por vezes, bêbados são chatos, é bem verdade. Ninguém aguenta aquele cheiro de cerveja (na melhor das hipóteses) fumegando na cara o tempo todo, e bem pertinho... bem pertinho mesmo... nos agarram num abraço de que é difícil sair... quase impossível, eu diria.

Mas que são sinceros, não se pode negar.

A bebida os faz revelar a loucura escondida, reprimida em todos nós pelas "regrinhas sociais". Mas bêbados se lembram de regras? Apenas fazem e dizem tudo o que lhes vem à cabeça, crianças grandes, despreocupadas e felizes.

Bêbados são tão interessantes, que ninguém, nunca, ficou indiferente a um deles. Causam risos, raiva, nojo, solidariedade, amizade, cuidado e até mesmo tudo isso junto.

Bêbados não receiam dizer que amam. Pergunte a qualquer pessoa "normal" se ela ama os seus amigos. A resposta será positiva. Pergunte então quantas vezes ele já expressou isso. Provavelmente nunca. Se já, talvez não se lembre, por ter bebido algumas a mais na ocasião. Bêbados, repito, não receiam dizer que amam. E se dizem, amam masmo.

Enfim, descobri que sou um fã de bêbados, apesar de nem sempre ser um deles. Todos deveriam, pelo menos um dia, beber um pouco menos para admirá-los por um tempo. São engraçados... e ensinam muito, apesar de não parecer...

Quanto aos médicos, mães preocupadas e pais puritanos que alertarão que bebidas não fazem bem, gostaria de dizer que sei disso. Mas sei também que a vida oferece muito mais com que se "embriagar": a liberdade, as amizades verdadeiras, o amor, as paixões, o simples desejo de ser feliz.

Bebidas fazem mal... mas de bêbados, todos deveríamos ter um pouquinho. Para tentar resolver o impasse, então, fica um conselho:

Embriaguemo-nos de Vida!!!

07/06/2008, às 00:24hs, durante uma festa cheia de amigos bêbados...

Nostálgica poesia sem título.
Estou numa noite silenciosa hoje.
Logo eu que falo tanto...
Ouço apenas o som da nostalgia:
Viajo nas notes da canção que ouço
E nem sequer sei o que diz.
Viajo, chego às lembranças...
Daquela namorada...
Daquele primo chato em quem confiava tanto...
Daquelas amigas fiéis...
Mãe, pai, irmãos, avó...
Daquela turma doida
E daquela outra turma doida.
Tudo isso é bom...
Sei que estão comigo...

Mas a saudade aperta
E as lágrimas não sufocam o que a distância faz com a gente.
Agora a pouco me perguntava se estou feliz.
Acho que sim:
Até abri um sorriso.
Mas muita coisa falta ainda.
Passei o dia me sentindo inútil
E há tempos estou assim.
Nada me liga a nada?
Sinto falta do abraço forte
Como aqueles de outro dia
Que me deixavam tão mais seguro.
Sinto-me inútil para as coisas práticas...
E o que mais me dói é nem ter certeza da minha real importância.
Pra alguém ou pra qualquer coisa.
Ainda me sinto só.
E agora tudo está mais difícil,
Não sei bem porquê...

Falta ânimo.
Falta força.
Naõ tenho vontade de nada.
Preciso voltar a encontrar sentido nas coisas.
Preciso me reconstruir.
Porque meus alicerces agora estão longe.
E por mais que me apóiem,
Por mais que me amem,
Por mais que eu os ame com todo o meu ser,
Não posso estar com eles todo o tempo...

Às vezes acho que estou sem rumo.
E preciso me achar de novo
Pra tentar voltar a caminhar...

31/08/2008