Eu te dou minha vida, Gabriel!

A inocência das crianças é algo realmente incrível.

Meu irmão mais novo brincava na rua com uns amigos. O jogo era simples: duas pessoas, uma em frente à outra tentavam atingir com uma bola quem estivesse entre elas. Os que fossem atingidos, "morriam", saíam da brincadeira; quem conseguisse agarrar a bola, ganhava uma "vida", o direito de permanecer jogando quando atingido, até que se esgotasse o seu estoque de "vidas".

Eu estava entrando em casa sem prestar muita atenção nas crianças, quendo, muito por acaso, ouvi uma frase de meu irmão e entendi o que acontecera: seu melhor amigo, Gabriel, tinha sido atingido por alguém. já estava saindo para sentar num canto quando meu irmão, nove anos de idade, gritou:

- Eu te dou a minha vida, Gabriel! Volta!

Meu irmão tinha "vidas sobrando", e resolveu doar uma para seu amigo. Eu olhei para eles e sorri. Gabriel agradeceu com um aperto de mão e eles voltaram a se divertir, sem dar a menor atenção ao que acontecia a sua volta.

Era uma cena bonita.

Parei pra pensar na força daquela frase dita com tanta inocência. "Eu te dou a minha vida". Parei pra pensar que eu, aos meu nove anos de idade, quando brincava na rua com os amigos, tinha usado aquela frase muitas vezes.

Mas, como tantas outras pessoas por aí, eu decidi deixar de ser criança e esqueci o quanto aquela frase poderia ser bonita.

Ninguém mais carrega essa solidariedade, esse cuidado, esse desejo de dar a própria vida pelo outro. Não falo de morrer para que uma outra pessoa viva, assim, literalmente... Doar a vida pode ser mais simples e até mais bonito: um sorriso, um carinho, uma oração, um ato de defesa, um gesto de cuidado. Dar a vida é é escolhê-la como bandeira de caminhada, é defendê-la com paixão e força de vontade.
Dar a vida é garantir ao outro o direito de viver bem, com dignidade, com amor.

É reativar no peito o sonho de criança: enxergar no outro um amigo que fará mais feliz a brincadeira da Vida, se puder brincar também, ao nosso lado.

Dar a Vida é lutar por ela.

É torná-la bela.

É torná-la viva.
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